Conversão ao neoliberalismo
Convém lembrar, em primeiro lugar, que Serra, acompanhando os passos de seu então chefe, Fernando Henrique Cardoso, renegou na prática e na teoria as ideias de Prebisch e Furtado depois da conversão à direita neoliberal, conforme assinalou em recente entrevista o economista Bresser Pereira. FHC, outrora considerado um homem de centro-esquerda, cometeu uma frase que ficou famosa (“esqueçam o que escrevi!”) para não deixar dúvidas quanto à sua nova religião.
Pois Serra adota a formulação de Prebisch que sugere a divisão do sistema capitalista mundial entre o centro, ocupado pelos países mais ricos e desenvolvidos, e a periferia, constituída pelas nações mais pobres, julgadas subdesenvolvidas ou em vias de desenvolvimento, para concluir que a China caminha para se constituir numa economia central e o Brasil segue descontraído na direção oposta, rumo à periferia.
Isto ocorre, na opinião do ex-governador paulista, em razão da divisão social do trabalho entre os dois países, refletida nas trocas comercias. O Brasil exporta basicamente commodities, mercadorias com baixo valor agregado, e importa manufaturas intensivas em tecnologia e trabalho complexo, com maior valor incorporado durante o processo de produção.
Neoperiferia?
A reprodução dessas relações comerciais, que remete ao dilema centro-periferia estudado por Prebisch e Furtado (ambos defensores de uma estratégia de substituição de importações para o desenvolvimento nacional), “está conduzindo o país, rapidamente, à condição de neoperiferia no concerto econômico mundial”. O tucano, que muito privatizou e ajudou a escancarar as portas da economia nacional ao capital estrangeiro quando no governo, hoje também bate nos investimentos chineses no Brasil.
O desenvolvimento desigual das nações e mudanças políticas que ocorrem no mundo e particularmente na América Latina alteram as relações entre centro e periferia e provocam deslocamentos de tal ordem na economia mundial que, na respeitável opinião da economista Maria da Conceição Tavares, o velho conceito já não faz tanto sentido. É preciso ponderar, igualmente, a expressiva mudança nos termos de troca (ou preços relativos entre manufaturas e commodities).
Oportunismo tucano
Aplicá-lo na avaliação da parceria comercial sino-brasileiro é, neste caso, mais um exemplo do oportunismo (alguns diriam senso de oportunidade) tucano. Certamente, o perfil das trocas entre o Brasil e a China é motivo de apreensão para o conjunto das forças e personalidades sinceramente preocupadas com o desenvolvimento nacional soberano, incluindo a presidente Dilma Rousseff e o ex-presidente Lula. Não é o caso de José Serra, FHC, PSDB ou DEM. Esses já provaram a que interesses servem e foram rejeitados por isto.
Durante a campanha de 2002, Serra foi o homem da Alca no Brasil, criticou os governos progressistas da América Latina, prometeu dar continuidade ao projeto de privatizações (que aplicou no governo do estado de São Paulo) e teve o apoio dos EUA. Em 2010, segundo informações confidenciais divulgadas pelo WikiLeaks, o candidato tucano, que fez uma campanha ostensivamente reacionária e obscurantista, prometeu privatizar o pré-sal, abrindo-o aos interesses das multinacionais norte-americanas do chamado Ocidente.
Mercosul
Ele também acenou com a liquidação do Mercosul e, ao lado de outros bicudos tucanos, criticou o relativo afastamento do Brasil de seus antigos tutores, os Estados Unidos e a Europa. Preconizava (e preconiza) um retorno ao velho status quo de subserviência ao chamado Ocidente, desprezado e subvertido pela política externa do governo Lula, conduzida por Celso Amorim.
Pelo caminho de Serra e FHC, o Brasil ainda estaria afogado na crise, abraçado aos EUA. A diversificação do comércio, na direção Sul-Sul, e o fortalecimento da parceria com a China, associados ao abandono das receitas do FMI, combate ao desemprego e melhor distribuição da renda, foram fundamentais para a economia nacional sair rapidamente da recessão.
Bandeiras progressistas
É preciso analisar com objetividade e realismo as novas relações internacionais que emanam da ascensão da China e da irresistível decadência dos EUA, mesmo porque as economias não são guiadas por idealismos ou ideologias, mas por interesses das classes e nações. Melhorar o perfil das exportações brasileiras, em benefício da indústria de transformação, defender o mercado interno, reduzir juros e controlar câmbio e fluxos de capitais (inclusive chineses), são bandeiras das forças progressistas interessadas no crescimento da economia, na justiça social e no desenvolvimento nacional.
As mudanças em curso na correlação de forças no interior da economia mundial, dadas pelo deslocamento do dinamismo industrial do Ocidente para o Oriente, abrem novas janelas de oportunidade para o desenvolvimento nacional soberano. Ao contrário do que supõe a vã filosofia neoliberal tucana, traduzida no artigo de José Serra.
O maior inimigo
Não cabe reproduzir a ideia servil de que o que é bom para a China é bom também para o Brasil, como foi feito pelos apologistas do império em relação aos EUA, mas querer transformar a potência asiática em novo centro imperialista é no mínimo precipitado. Quando a crítica parte de um cacique tucano fracassado não é mais que oportunismo.
A China não é a maior ameaça para o Brasil e outras nações, muito pelo contrário. Embora em declínio nas esferas econômica e política, Tio Sam ainda está armado até os dentes, distribuindo bombardeios e ameaçando os pobres e remediados do mundo. É o grande inimigo dos povos. As preferências do PSDB estão na contramão da história.
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