quarta-feira, 4 de janeiro de 2012

Segundo o presidente da UNE, Daniel Iliescu, que tomou posse em julho de 2011, os jovens da América Latina vivem sua melhor fase: “O movimento estudantil está mais forte e amadurecido do que nunca. E isso não vale apenas para o Brasil”, declara nesta entrevista de balanço, previsões e perspectivas para 2012.
O ano de 2011 foi do “manifestante”, aquele indivíduo, homem ou mulher, que resolveu ocupar o espaço público para protestar, derrubar regimes, denunciar a falência do sistema econômico ou garantir mais direitos para a população.
Esse manifestante, em grande número jovem, multiplicou-se aos milhões em episódios como a mobilização estudantil no Chile, em defesa da educação pública, e, no Brasil, com as grandes marchas durante o ano e a luta pelos 10% do PIB investidos no ensino do país.
Em 2012 a UNE completa 75 anos, três quartos de século. A UNE segue sendo simultaneamente o movimento social mais antigo e mais renovado do Brasil, sempre acompanhando as demandas de cada geração.
Para Iliescu, a identidade do movimento atualmente tem a ver com a sua diversidade: “Temos cada vez mais grupos de estudantes atuando em movimentos de cultura, de meio ambiente, associações de bairro, ONGs ligadas a várias temáticas e isso traz para o movimento estudantil e para a UNE uma riqueza muito interessante”, afirma.
O presidente da UNE ainda comenta a relação da entidade com o governo Dilma Rousseff, o cenário de crise econômica internacional e a mobilização em torno do Plano Nacional de Educação (PNE). Confira abaixo a íntegra da conversa com o carioca que assumiu a direção da entidade há pouco mais de seis meses.


Você assumiu a UNE em julho de 2011, no começo da segunda décado do século 21. Qual é a cara do movimento estudantil nos tempos de hoje?

Com certeza, cada geração carrega sua marca, sua identidade, e eu diria que, no século 21, a grande marca da juventude brasileira é a diversidade. Temos cada vez mais grupos de estudantes atuando em movimentos de cultura, de meio ambiente, associações de bairro, ONGs ligadas a várias temáticas e isso traz para o movimento estudantil e para a UNE uma riqueza interessantíssima. Por outro lado, há algo que não se altera. Mesmo em 1968 ou em 2011, os jovens tem uma sede incontrolável por mudar a sua realidade, estão dispostos a fazer a diferença e contribuir com algo. Isso pôde ser comprovado no 52º Congresso da UNE, que aconteceu este ano e foi o mais participativo da história. Na etapa preparatória nos estados, o Congresso reuniu os votos de mais de 1,6 milhão de alunos de universidades públicas e particulares. Houve, no total, votação em 97% das universidades de todo o país. O movimento estudantil está mais forte e amadurecido do que nunca. E isso não vale apenas para o Brasil, mas para toda a América Latina, tenha-se o exemplo das manifestações dos estudantes do Chile pela educação pública do seu país, a quem levamos esse ano a nossa solidariedade, recebendo também a líder Camila Vallejo em nossas manifestações. Os jovens da América Latina estão em sua melhor fase.

O que foi mais marcante para a UNE em 2011?

Foi um ano movimentado, que já começou com a 7ª Bienal, no Rio, durante o mês de janeiro, reunindo milhares de estudantes do Brasil e do exterior em um festival de cultura que teve como tema o samba. Pouco antes disso, a UNE realizou, também no Rio, um dos seus maiores Coneb's [Conselho Nacional de Entidades de Base], com cerca de 5 mil representantes de DAs e CAs de todo o Brasil. Em maio, foi a vez do 59º Coneg [Conselho Nacional de Entidades Gerais] na cidade de São Paulo. Saímos do 52º Congresso da UNE, em Goiânia, engatilhados em uma mobilização enorme pelos 10% do PIB e 50% do fundo social do Pré-Sal para a educação, que se tornou uma jornada de lutas nacional, o “Agosto Verde e Amarelo”. Essa luta se intensificou no final do ano com o #OcupeBrasília, criamos coragem e acampamos de vez na porta do Congresso Nacional, em um movimento de pressão que rendeu a aprovação parcial pelo senado dos 50% do fundo social do Pré-Sal para a educação. Entre outros pontos, eu destacaria a realização do 4º Encontro de Mulheres da UNE, do III Encontro de Negros, Negras e Cotistas da UNE, e a nossa grande participação no Congresso da Oclae [Organização Latino Americana e Caribenha dos Estudantes] no Uruguai. Tivemos a aprovação do Estatuto da Juventude, uma iniciativa inédita que valoriza essa que é a parcela mais estratégica da população brasileira e a realização da 2ª Conferência Nacional de Juventude. No campo da política, tivemos acontecimentos muito importantes, como a decisão do STF que reconheceu a união entre homosexuais e a aprovação da Comissão da Verdade, que pode resgatar o passado negligenciado de muitos que perderam suas vidas na ditadura miliar, entre eles estudantes.

Você assumiu também no primeiro ano de mandato da presidente Dilma Rousseff. Qual a avaliação e a relação da UNE com o atual governo federal?

Mesmo sendo apenas o primeiro ano da presidenta Dilma, conseguimos tirar algumas conclusões sobre o seu governo. Achamos válida a sua postura de manter o diálogo com os movimentos sociais, escutar as suas reivindicações, como aquela que fizemos em Brasília, no dia 31 de agosto, em um protesto com 12 mil estudantes em defesa de mais verbas para a educação. Porém, não estamos satisfeitos ainda com atual disposição de prioridades do governo. O orçamento da União destina, todo ano, cerca de 3% para a educação e cerca de 50% para pagar a dívida pública e remunerar o capital financeiro. O governo se apresenta com uma tônica importante, que é eliminar a miséria, reduzir essa desigualdade social que ainda vigora no país, mas, na nossa opinião, esse processo não será possível sem maiores investimentos na escola pública, no salário dos professores, em todos os níveis da educação. Também não acabaremos com a miséria com a permanência da atual política econômica, que impede o pleno desenvolvimento do Brasil. Medidas mais ousadas precisam ser tomadas nessa área para o Brasil avançar e se desenvolver. Isso acontecerá, somente na base da pressão dos movimentos por mudanças profundas na política econômica, fiscal, cambial e monetária do Brasil. Ainda aguardamos esses avanços e vamos protestar muito por eles.

A revista norte-americana Time, que tradicionalmente escolhe a personalidade do ano, escolheu desta vez o “manifestante”, um personagem anônimo representando todos os homens e mulheres que participaram de varios grandes protestos pelo mundo em 2011. Qual a sua avaliação sobre esse fenômeno?

Isso é muito curioso porque, durante alguns anos, falou-se no fim das utopias, dos sonhos, no fim da história, todas essas ideias de que a humanidade não teria novas revoluções populares, que isso era coisa dos livros, do passado. O ano de 2011 prova o contrário, demonstra que a força da coletividade é ainda a maior de todas, está muito além do poder econômico, das ditaduras, dos sistemas políticos. A história da UNE e do movimento estudantil no Brasil revela isso. Quantas “primaveras” os jovens desse país já fizeram para enfrentar a ditadura, conquistar as eleições diretas, e agora estamos fazendo mais uma primavera brasileira, para evitar o retrocesso no desenvolvimento da educação do país. Vejo com muito bons olhos as manifestações e os manifestantes de 2011. Sempre que houver povo na rua defendendo mais democracia e justiça social, haverá ali a completa solidariedade e o apoio da União Nacional dos Estudantes.

A principal campanha do movimento estudantil neste ano foi a defesa de 10% do PIB para a educação no Brasil, garantidos pelo Plano Nacional de Educação, o PNE-2011/2020. Qual o saldo dessa luta e as expectativas para o ano que vem?

Foi importante o movimento estudantil e também o movimento social no geral, professores, entidades ligadas à educação e outros terem unificado essa pauta, cientes do que é melhor para o Brasil. Lamentamos que a aprovação do Plano tenha ficado para o ano de 2012 e sentimos que precisamos fazer muito mais pressão junto aos parlamentares, ao governo, à imprensa para que essa pauta tenha mais visibilidade. Garantir 10% do PIB para a educação é uma das medidas mais importantes para desenvolver o Brasil, esse não é um tema setorial, investir na educação é investir na economia, no setor produtivo, na ciência e tecnologia, na democracia, no combate à corrupção, no desenvolvimento sustentável, em tudo. Não iremos recuar nesse sentido, essa campanha deve se fortalecer no ano que vem, até a aprovação do PNE.

Como a UNE avalia a atual conjuntura econômica de crise no mundo e a situação do Brasil?

Uma reflexão importante que essa crise nos traz se refere aos sinais de falência de um modelo econômico baseado nas riquezas de poucos e na exclusão de milhares. Antes, os chamados países em desenvolvimento ou subdesenvolvidos sofriam fortemente as consequências desse modelo, agora sabemos que trata-se de um problema estrutural, que pode atingir em cheio os países centrais, como se observa na violenta crise que se assombra para a zona do Euro. É papel do movimento social, além de apontar a insuficiência desse sistema financeiro, lutar contra a redução de direitos da população. No Brasil, temos uma situação um pouco mais estável, mas ficamos preocupados com a insistência pela manutenção de uma política econômica de juros altos, conservadora em relação a investimentos sociais estratégicos e menos atenta às necessidades humanas. Nesse sentido, o movimento social brasileiro se mobilizou bastante esse ano, com protestos em todas as reuniões do COPOM [Comitê de Política Monetária], pedindo a redução dos juros e outras medidas mais progressistas. A UNE permanecerá nessa luta em 2012.

Quais devem ser as prioridades do movimento estudantil em 2012?

Primeiramente, vale dizer que 2012 é o ano em que a UNE completa 75 anos. Vamos comemorar esses três quartos de século fazendo o que sabemos melhor, nas ruas, ocupando espaços, protestando pela educação pública do país, mobilizados nas universidades e também nas redes sociais. Começaremos as obras da nova sede e do novo centro cultural da UNE na Praia do Flamengo, 132 e planejamos, também, uma Caravana da UNE como marco de comemoração dos 75 anos. A Caravana refletirá sobre o Brasil daqui a 10 anos, ao completar 200 de independência. Na pauta das nossas lutas estarão o desenvolvimento do Brasil, a ampliação da assistência estudantil, o aumento de vagas na universidade, principalmente nas públicas, mas também em importantes iniciativas como o Prouni, que já está mudando a cara do ensino privado. Na verdade, permaneceremos na luta por uma verdadeira reforma do ensino privado, que precisa ser devidamente regulamentado de forma a garantir a qualidade da educação e não tratá-la como mercadoria. Como já disse anteriormente, continuaremos muito firme nas nossas principais lutas a favor da educação: 10% do PIB e 50% do Fundo Social do Pré-Sal para essa área. Outro ponto de grande interesse do movimento estudantil em 2012 será, sem sombra de dúvida, a questão da meia-entrada em espetáculos culturais e esportivos. Seguiremos na luta intransigente para garantir o direito à meia-entrada estudantil, que, no nosso ponto de vista, é fundamental para garantir a formação plena dos nossos jovens, vale lembrar que a UNE não abrirá mão da regulamentação federal da meia-entrada, valendo, inclusive, para os jogos da Copa do Mundo de 2014. Será uma honra participar da UNE em um ano histórico como esse, por ocasião dos seus 75 anos, e certamente essa gestão irá fazer valer esse momento.

Fonte: UNE

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